Teoria e Projeto de Intervenção: Materialidade e a imaterialidade na preservação do patrimônio edificado na contemporaneidade.

As questões-chave norteadoras das ações no campo da preservação patrimonial sempre foram identificadas como “O que?”, “Porque?” e “Como?”. Todas elas se relacionam com uma terceira e mais definidora pergunta que interfere nas três perguntas acima: “Para quem?”. Não é novidade que as decisões sobre o que se deve ou não preservar é resultado de um campo de disputas e de qual discurso, quais referências culturais são mais consideradas e reverberadas na institucionalização da preservação patrimonial. Castriota (2011) chama atenção para as modificações no campo do patrimônio especialmente a partir da ampliação da reflexão sobre patrimônio imaterial, que, segundo o autor “recolocou as bases de nossa área” porque “(…) a discussão que se centrava muito mais no como conservar” (com ênfase na dimensão física), se deslocou para o que e porque conservar. Concordamos com o autor mas ampliamos a questão aqui: esse deslocamento de ênfase ou mesmo podemos dizer de ordem de prioridades, não retira a necessidade de reflexão sobre o “Como” pois, depois do entendimento do que preservar, porque preservar e, especialmente, para quem preservar, necessariamente teremos que chegar nas decisões sobre como preservar, e isso se torna ainda mais evidente quando estamos falando do patrimônio edificado que é o foco da presente pesquisa.

O debate recente no campo da preservação do patrimônio cultural aponta para a centralidade das discussões acerca dos temas da significância e do papel dos sujeitos para a atribuição de valores e reconhecimento do que deve ser objeto de salvaguarda. Esta ampliação do campo, bem vinda e necessária, precisa ser acompanhada do entendimento acurado das contribuições da teoria do restauro desenvolvidas ao longo do tempo, com destaque às contribuições pós segunda guerra mundial até a atualidade. Esse aprofundamento é essencial se entendemos, como é nosso pressuposto de pesquisa, que a teoria possui forte potencial operacional para a definição de procedimentos metodológicos projetuais.

A restauração/preservação como campo disciplinar autônomo possui seus referenciais teóricos e metodológicos, que não devem ser tomados como regras fixas, e sim como aporte para uma reflexão crítica no processo do projeto de intervenção que, não podemos esquecer, trata-se de um projeto de arquitetura que exige, sim, muita criatividade para lidar com seus desafios (KÜHL, 2006; KÜHL, 2008). Assim, para o desenvolvimento da pesquisa, a primeira reflexão que se faz presente é sobre o próprio conceito de “restauração” e como este é entendido em diferentes contextos culturais.

As abordagens teóricas contemporâneas identificam diferentes formas de atuação sobre o patrimônio edificado. A proposta do presente projeto de pesquisa é aprofundar o conhecimento dessas abordagens partindo do contexto italiano pela sua excelência e reconhecimento dentro do campo a nível mundial e confrontar as correntes italianas com abordagens de outros autores de fora da Itália identificando aproximações e especificidades. Nessa reflexão, como se colocam o Brasil e a própria América Latina? Como nos situamos nesse contexto? Os recortes mais específicos da pesquisa estão definidos mais à frente.

Por fim, identificamos que a prática projetual de intervenções em áreas históricas nem sempre é tratada com o rigor metodológico que a mesma exige. A tomada de decisões que visam enfrentar o desafio de buscar a conciliação entre as necessidades de adaptação aos usos contemporâneos e a preservação dos valores patrimoniais identificados em um bem ou em um sítio necessitam de ancoramento no instrumental teórico-metodológico que o campo da preservação construiu. O desenvolvimento da sensibilidade projetual para, atentos aos procedimentos metodológicos do campo da preservação, não abrir mão da qualidade espacial do projeto contemporâneo que se constrói, entendemos, é o objetivo do ensino nesta área. Buscamos nesta pesquisa, portanto, a ampliação das referências de autores que trabalham categorias de intervenção e o aprofundamento nas diferentes correntes de atuação projetual sobre o patrimônio e nas posturas teóricas desenvolvidas na contemporaneidade, refletindo sobre como estamos lidando com os desafios para o alcance de uma prática que considere materialidade e imaterialidade de forma simbiótica.

Nesse sentido, a reflexão se volta para a complementariedade entre as reflexões mais recentes e a consolidação de um instrumental metodológico que já conta com amplo reconhecimento nas ações de preservação, insistindo na necessidade em se enfrentar as lacunas ainda existentes.